Das capitanias do seu corpo

FAP FAAP

Ao prosseguirmos com o Programa de exposições dos bacharelados em Artes Visuais, da Faculdade de Artes Plásticas da FAAP, apresentamos a produção desenvolvida pelos jovens artistas que, recém-finalizado seu processo de educação formal em artes, buscam inserir suas produções no chamado “sistema da arte”, reunindo-as nesta exposição coletiva a qual denominaram das capitanias do seu corpo.
Desse modo, em seu nono ano de existência, o Programa possibilita perceber o comprometimento da Instituição com o apoio e o fomento às atividades culturais, em especial as de natureza artística. Com esta ação, a Fundação se propõe, mais uma vez, a incentivar o desenvolvimento da produção visual e apoiar a realização de uma primeira mostra conjunta – é que já se dá fora do ambiente acadêmico – facilitando a visibilidade do adensamento nas questões originalmente trabalhadas por alunos, ao longo de sua permanência no Curso, e aprofundadas na apresentação de seus trabalhos finais de graduação.
Como nas edições anteriores do Programa, em suas mais distintas situações de articulação, de cada grupo envolvido neste processo de organização da mostra, um ponto comum permanece visível: a discussão e as reflexões em torno da escolha do título pelo qual identificaram este conjunto de obras e práticas artísticas produzidas para a exposição.
A aparente disparidade que pode ser identificada pelos visitantes nos títulos dos trabalhos revela, no entanto, uma das questões mais prementes a cada um deles, ao sair do espaço protegido: acadêmico, ainda que após sua experiência de publicização, com a defesa de suas investigações e processos. Em cada um deles é possível encontrar, evidentemente, nuances distintas, a dúvida e a dificuldade de como lançar-se à experiência de uma inserção no mundo, de uma perspectiva profissional:
Tendo vivenciado de forma mais intensa sua experiência nos semestres finais de uma jornada acadêmica no âmbito da graduação, estes agora não mais alunos’ e que finalizaram seu curso, após um trajeto de quatro anos juntos, puderam partilhar dúvidas, anseios, medos, dificuldades. sonhos, necessidades, angústias, descobertas e esforços para desenvolver, produzir, refletir e apresentar seu processo de criação a cada uma das bancas examinadoras, às quais se submeteram, e ao escrutínio público, mas ainda na condição de um processo em um espaço protegido: o da instituição educacional.
A experiência, para eles, apresenta-se de pronto com a exposição, e é preciso que o grupo, coletivamente, encontre o caminho para levá-la adiante. A cada um deles é apresentada a possibilidade de desenvolver uma proposta que, aliada aos seus interesses investigativos, explore e se desenvolva dentro dos limites reais das condições temporais e espaciais a que se devem adequar: cerca de dois meses de planejamento, organização e produção e as características do espaço expositivo da sala do MAB/Centro. Trata-se, portanto, de sem abrir mão de seus processos, produzir adequando-se a essa realidade, realizando negociações internas no conjunto de participantes, para ocupações e convivências, em um processo semelhante aos que, cada vez mais, se fazem presentes nos processos organizacionais de mostras de arte contemporânea.
Os trabalhos são resultados das escolhas de cada um dos artistas, o que lhes permite apresentar sua produção visual, pela primeira vez, desvinculados da condição de estudantes de arte. As obras que integram a mostra contribuem para a valorização do potencial de uma nova geração de jovens artistas que traçam um panorama da contemporaneidade, a partir de seu olhar.
Em das capitanias do seu corpo cada um dos artistas explora processos, mesmo aqueles considerados já tradicionais, como a pintura e o desenho, ou aqueles que incorporam aos processos das práticas artísticas, como as colaborativas. Os trabalhos afirmam as possibilidades de convivência, e de trocas de experiências que se apresentam para este grupo. A produção, também documentada pelo catálogo que acompanha e registra a mostra, apresenta sistemáticas próprias de pesquisa, em consonância com a elaboração de caminhos particulares de desenvolvimento, percorridos por cada um deles e apresenta o entrecruzamento e a fusão de mídias, assim como a investigação e o manejo de conteúdos de diversas áreas do conhecimento.
Nas palavras dos jovens artistas que integram a mostra, das capitanias do seu corpo “traz em si a ideia de divisão, presente internamente no sujeito e externamente entre eu e o outro. A ideia que o meio onde isso ocorre é por excelência a que o corpo abriga toda a multiplicidade destes lugares de poder/relação: o eu/corpo e o outro/corpo. Em suma, queremos problematizar os territórios internos e externos. Nós, habitantes destes corpos, tentamos criar/propor modos de administrar, operar, relacionar, criar através de experiências sensíveis e do pensamento”.
Como em ocasiões anteriores à seleção de propostas e trabalhos apresentados não deixa margem a dúvidas sobre as expectativas destes artistas frente a um novo horizonte que se descortina, como perspectiva profissional. Além destas expectativas, a escolha também significa uma afirmação sobre a forma como se veem – jovens e recém-formados estudantes de artes visuais – ao sair do ambiente da escola de arte?
Com das capitanias do seu corpo, os jovens artistas se propõem, ainda, a integrar o calendário artístico-cultural da cidade, oferecendo condições possíveis para uma necessária percepção externa desta produção e, para além do estrito âmbito académico, ela potencializa esta prática de valorização dos alunos e de sua produção, ao proporcionar uma visibilidade das investigações desenvolvidas, por eles, a partir de ações iniciadas ainda no âmbito da Faculdade.
As mostras organizadas para apresentação de trabalhos dos que finalizaram sua graduação em artes visuais devem ser vistas, assim, de uma perspectiva maior do que a de mera atividade institucional. E relevante para eles é importante para seu processo de desenvolvimento, que a inquietação, característica dessa produção de artistas em processo de formação, encontre ressonâncias e dissonâncias, uma vez em confronto com a realidade existente fora do protegido círculo educacional.
Outra das questões frequentemente presentes nas discussões sobre a produção contemporânea, e mais precisamente sobre a de jovens artistas recém-saídos, ou aínda em processos de finalização de seus cursos de formação, é exatamente sobre como reagem, ou reagiram às diferentes formas de pressões que um circuito artístico, cada vez mais visível pela presença de espaços comerciais de arte, pode exercer sobre eles. O desejo e a necessidade de profissionalização, de inserção e de ver-se nesta esfera profissional – para além dos museus, instituições e centros culturais, as galerias comerciais, os leilões e feiras – é uma das dificuldades que cada um deles. individualmente, deverá enfrentar e construir uma relação capaz de lhe garantir autonomia e independência de processo e de experimentação.
A cada módulo do Programa diferentes arranjos e combinações do grupo dos bacharelados em Artes Plásticas são identificados, e isto implica em tanto refletirmos sobre o sentido da produção, bem como da distinção e diversidade da mesma, em razão das pesquisas orientadas, em poéticas visuais, por eles desenvolvidas, mas implica ainda em olhar atentamente para os potenciais atividades que decorrem de investigações em artes visuais, mas de uma perspectiva teórica – história, teoria, crítica, curadoria, para citarmos algumas – outra vertente possível, para o trabalho.
Nesta edição, particularmente, isto se apresenta no envolvimento do grupo, em participar do processo de ampliação das ações da exposição, pelo viés da discussão proposta em encontro público a ser realizado durante o período da mostra e, desta forma, ampliar a atuação de possíveis discussões e reflexões sobre as práticas artísticas contemporâneas.
Mais uma vez, e ainda sob pena de parecer repetitivo, para quem acompanha este Programa de exposições desde sua criação, trata-se de recuperar, e afirmar aqui, a relação desta exposição com as anteriormente apresentadas. A mostra deve ser vista como uma atividade pioneira e diferenciadora, por seu sentido compromisso de continuidade com as atividades didáticas. Esta leitura não se restringe apenas à FAAP, mas também em relação a outras instituições congêneres, e traz ao público que visita o MAB/Centro a produção que demonstra o desenvolvimento de uma sistemática própria de acompanhamento do egresso do curso, coerente com a elaboração de caminhos particulares de cada um destes, que integram uma futura geração de artistas.
Finalizando, é preciso reafirmar a iniciativa deste Programa, como parte de uma política mais ampla de apoio e incentivo, desenvolvida ao longo dos últimos anos de forma sistemática, para a difusão das diversas formas de manifestação artística oriundas das atividades acadêmicas desenvolvidas pelo corpo discente do bacharelado em Artes Plásticas, assim como integrar uma permanente discussão e atualização dos processos relacionados à formação do artista, na contemporaneidade.
Marcos Moraes
Coordenador dos Cursos de Artes Visuais/ Produção Cultural
Residência Artística FAAP