Verde Verde Verde

Atelie SAO

“… todo verde é transparente, e treme ao vento.”

Nesse mundo não há o que não possa ser tocado, compreendido e expandido pela força do que nos habituamos a chamar de arte. É como se esta força, ao tocar qualquer assunto que seja, pulasse a cerca de seus limites e dissesse “ Venha! Aqui ainda é seu território!”. Por esta característica em particular, a arte e o pensamento dançam juntos através dos tempos, e um dos aspectos mais valiosos dessa relação é o dinamismo imanente e transcendente com que a arte propõem problemas, gerando novas experiências a partir de objetos singulares. Estes, quando bem-sucedidos, assumem uma aura de enigma, sendo ao mesmo tempo seu fundamento e força viva expansiva.
Tomando essa breve reflexão como premissa, inauguramos o projeto VERDE, tendo em nossa mirada a capacidade da arte de ser uma linguagem autônoma. Assim, para muito além de representar alguma ideia, ilustrar certas correntes de pensamentos, ou ainda, ser tomada como um tipo de estandarte de tendências do momento, a arte chama as ideias, dissolvendo nas forjas de seu ventre criador todas as grades conceituais existentes e as recriando a partir de si própria. É, portanto, uma força de transformação e multiplicação do mundo.
Em A Vida das Plantas – Uma Metafísica da Mistura, Emanuele Coccia atira uma flecha certeira: “O cérebro não é um órgão humano, mas um seguimento da matéria que detém saber e conhecimento. (…) Trata-se, no fundo, de não fazer do intelecto um órgão separado e sim fazê-lo coincidir com a matéria.” Vemos, assim, a figura daqueles que fazem arte como aqueles que são capazes de articular em seu pleno potencial as muitas faculdades desse “órgão do mundo”, a mente, orquestrando em seu fazer a razão, a imaginação, o sonhar, a análise, a práxis, a força motora, a percepção, as emoções, o espírito, etc.
Talvez, por esse motivo, as artes sejam tão generosas com o pensamento. Talvez, por isso também, seja prudente não reduzi-las aos pensamentos, ou sobrepô-los a arte, para que não se caia no risco de perder algo substancial ou essencial dela, que é justamente sua capacidade de ser uma espécie de saber vivo. Nas palavras do critico de arte Lorenzo Mammì, “uma obra de arte é um objeto que sobrevive a vida e a intenção que a gerou e a todos os discursos gerados sobre ela.”
Para essa mostra que inaugura o projeto VERDE, chamada …todo verde é transparente, e treme ao vento, reunimos oito artistas que, cada um a sua maneira, se mantém firmes diante das muitas correntes externas ao fazer artístico que atualmente parecem tutorar e validar a qualidade da produção artística. Com admiração, vemos os trabalhos de Alexandre Furcolin, Eduardo Antônio, Isadora Almeida, Heron P. Nogueira, Paulo Lobo, Ricardo Bueno, Rodrigo Cruz e Roberta Schioppa como portadores de uma maneira muito natural de se fazer arte, pulsando na matéria de seus desenhos, pinturas e esculturas um diálogo solene e direto com dois dos espíritos soberanos dessa nossa Terra: o espírito mineral e o espirito vegetal, catalisando nesses objetos singulares a breve passagem das nossas vidas humanas.

Verde, junho de 2023